Série Vivências no MP destaca o despertar do Ministério Público para a consciência ambiental
Na série Vivências no MP, o Departamento do Memorial Sérgio da Costa Franco da AMP/RS relembra o 1º Seminário de Direito Ecológico da Fronteira Oeste, realizado em março de 1984, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Uruguaiana. Coordenado pelo então promotor de Justiça Dr. Voltaire de Lima Moraes, o evento marcou um dos primeiros debates institucionais sobre meio ambiente no Ministério Público.
Do encontro nasceu a obra Do Monólogo ao Diálogo, que reúne seus Anais, discursos e registros fotográficos, com apoio da Câmara de Vereadores de Uruguaiana.
A iniciativa antecedeu a Constituição de 1988 e a Lei da Ação Civil Pública, consolidando-se como um marco na história da atuação ambiental do MP. A publicação também recuperou o texto atribuído ao chefe indígena Seattle, um símbolo atemporal da relação de respeito entre o ser humano e a natureza.
MINISTÉRIO PÚBLICO E O DESPERTAR AMBIENTAL
Data de março de 1984 a primeira iniciativa, no âmbito do Ministério Público, acerca do estudo da preservação do meio ambiente e da busca pelo aprimoramento da legislação. A Promotoria de Justiça de Uruguaiana, a cargo do Dr. Voltaire de Lima Moraes, promoveu o 1º Seminário de Direito Ecológico da Fronteira Oeste do RS, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Uruguaiana. O objetivo era analisar a legislação ecológica vigente, a problemática relacionada à preservação do meio ambiente e à responsabilidade civil e criminal por danos causados à ecologia, como se dizia à época.
O evento teve repercussão na imprensa escrita e falada e contou com o apoio de diversas autoridades: Dr. Luiz Felipe Azevedo Gomes, Procurador-Geral de Justiça; Dr. Luiz Alberto Rocha, Presidente da AMP/RS; Dr. Tupinambá Pinto de Azevedo, do MP/RS; Dr. Erasmo Machado Campos, Diretor do Foro da Comarca de Uruguaiana; e o Des. Milton dos Santos Martins, representante da AJURIS. Também compareceram dois Promotores de Justiça do país vizinho, a Argentina, além do Prefeito Municipal, Caruso. Um dos palestrantes foi o jurista Dr. Nelson Nery Júnior, Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Promotor de Justiça no mesmo Estado. Posteriormente, produziu-se uma obra, Do Monólogo ao Diálogo, correspondente aos Anais do Seminário, com a colaboração da Câmara de Vereadores da cidade.
Antes da Constituição Federal de 1988 e da vigência da Lei da Ação Civil Pública, já havia preocupação com os desastres ecológicos, poluição ambiental, destruição de florestas, danos à fauna e contaminação por agrotóxicos, além da mortandade de peixes — não podendo o Ministério Público ficar indiferente, na medida em que é fiscal da lei e defensor da sociedade. O próprio Dr. Voltaire havia requisitado a instauração de inquérito policial em decorrência de pulverizações aéreas de agrotóxicos que teriam causado lesões em pessoas. No Estado de São Paulo, o Ministério Público já tomara a iniciativa de propor ação de responsabilidade civil pelo desastre ecológico de Bertioga, ocorrido em 1983, em que houve vazamento de mais de um milhão de litros de petróleo no mar.
O Informativo da AMP/RS, 1º semestre de 1984, nº 8, noticiou a extraordinária iniciativa, com foto de capa. Reproduziu trechos de uma carta escrita em 1855 pelo chefe índio Seattle, dirigida ao então presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, “o grande chefe branco de Washington”, que pretendia comprar imensa faixa territorial de sua tribo, prometendo, em troca, uma “reserva”. Tal documento/mensagem expressa a relação sagrada entre os seres humanos e a natureza, representando uma crítica à exploração desenfreada dos recursos naturais e uma exortação para que a terra seja protegida e amada pelas futuras gerações.

Abertura do seminário pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça, Dr. Luiz Felipe Azevedo Gomes

Nelson Nery Junior, professor de Direito Processual Civil na Pontifícia Univerisidade Católica de São Paulo, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo
 Dr. Voltaire de Lima Moraes
Dr. Voltaire de Lima Moraes



Primeira página do discurso de Voltaire de Lima Moraes

Confira a Carta do Chefe Seattle
"Como podereis vós comprar ou vender o céu, o calor, a terra?
Se não possuímos a frescura do ar e da água, de que maneira poderia vossa excelência comprá-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada espinho do pinheiro, cada rio murmurante, cada bruma nos bosques, cada clareira, cada zumbido de insetos é sagrado na lembrança e na vivência de meu povo. A seiva que corre nas árvores lembra nosso povo. Nós somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo e a grande águia são nossos irmãos. As rochas escarpadas, o aroma das pradarias, o impeto de nossos cavalos e o homem, todos são da mesma família.
Assim, o Grande Chefe de Washington, ao mandar dizer que deseja comprar nossa terra, está pedindo demais a nós, índios. Ele diz que nos reservará lugares onde poderemos viver confortavelmente entre nós. Ele será nosso pai e nós, seus filhos. Prometemos considerar a vossa ideia de comprar nossa terra. Mas não será fácil, pois esta terra, para nós, é sagrada.
A água cintilante que corre nos riachos e rios não é só água, mas também o sangue de nossos ancestrais. Os rios são nossos irmãos: saciam nossa sede, levam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se nos vendermos nossa terra, vós deveis lembrar e ensinar a vossos filhos que os rios são nossos irmãos e também vossos, e deveis, doravante, dar aos rios a ternura que mostrais a um irmão.
Sabemos que o homem branco não entende nossos costumes. Um pedaço de terra, para ele, é igual a qualquer outro, pois é um estranho que chega às escuras e se apossa da terra de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga. E uma vez conquistada, o homem branco vai embora; seu apetite arrasará a terra e não deixará nela mais que deserto.
Não sei, nossos costumes são diferentes dos vossos. A imagem de vossas cidades faz mal aos olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não entende.
Não há mais lugar calmo nas cidades do homem branco; o barulho parece estourar os ouvidos. O índio prefere o doce sussurrar do vento, lançando-se como flecha sobre o espelho de um lago, e o aroma do vento molhado pela chuva do dia ou perfumado pelo pinheiro.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Participam do mesmo sopro: o animal, a árvore, o homem; todos compartilham o mesmo ar. O homem branco parece não lembrar do ar que respira. O vento, que deu a nosso avô seu primeiro fôlego, recebeu também seu último suspiro.
Pensaremos, portanto, na vossa oferta de comprar nossas terras. Mas, se decidirmos aceitá-la, eu imporei uma condição: o homem branco deverá tratar os animais selvagens como irmãos. Vi mais de mil bisontes apodrecendo nos campos, abandonados pelo homem branco, que os abateu de um trem em movimento.
O que é o homem sem os animais? Se os animais desaparecem, o homem morrerá de grande solidão.
Ensine também a vossos filhos aquilo que ensinamos aos nossos: a terra é nossa mãe. Diga-lhes que a respeitem, pois tudo que acontecer à terra afetará os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre si mesmos. Ao menos sabemos isto: a terra não é do homem, o homem pertence à terra. Todas as coisas estão interligadas. Não foi o homem que teceu a teia da vida; ele é apenas um fio dela. Tudo que fizer à teia, fará a si mesmo.
De uma coisa temos certeza, e o homem branco descobrirá um dia: nosso Deus é o mesmo Deus, e Sua piedade é igual para o homem vermelho e para o branco. Esta terra é preciosa para Ele; danificá-la é insultar o Criador."
 
											 
											 
											 
											