Em artigo na Zero Hora, Luciana Cano Casarotto alerta para a violência invisível contra mulheres
A promotora de Justiça da Vara do Feminicídios de Porto Alegre e vice-presidente de Núcleos da Associação do Ministério Público (AMP/RS), Luciana Cano Casarotto, assinou artigo publicado na edição desta quarta-feira, 26 de novembro, no jornal Zero Hora, no qual chama atenção para um tipo de violência ainda pouco reconhecido pela sociedade: aquela que não deixa hematomas aparentes, mas provoca danos profundos na autoestima e na integridade emocional das mulheres.
No texto, Luciana questiona a percepção comum sobre o que é ou não considerado violência. “Um soco no rosto é um ato violento. E humilhar alguém?”, escreve ela ao refletir sobre situações que passam despercebidas, mas configuram agressões reais. Dados do Observatório da Violência contra a Mulher, do Senado Federal, reforçam o alerta da promotora: aproximadamente 30% das mulheres que afirmam não ter sido vítimas de violência doméstica relatam insultos, humilhações e ameaças sem reconhecer essas condutas como violência.
A promotora destaca que a sociedade ainda costuma associar a gravidade da agressão à existência de marcas físicas, ignorando cicatrizes emocionais que se acumulam em processos silenciosos de desumanização. O artigo foi publicado um dia após o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, instituído pela ONU para reforçar globalmente a necessidade de combater todas as formas de agressão de gênero, especialmente aquelas naturalizadas ou tratadas como brincadeiras.
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Mas, isso é violência?
Luciana Cano Casarotto
Promotora de Justiça da Vara de Penalidades de Porto Alegre e vice-presidente da Associação do Ministério Público
Um soco no rosto é um ato violento. E humilhar alguém? Afinal, qual a definição do que é violência, para que possamos nos identificar como vítimas dela? Existe uma zona cinza entre o vermelho do sangue, o roxo do hematoma e o branco da calma. E, nesse espaço, por vezes a violência passa despercebida.
Segundo dados do Observatório da Violência contra a Mulher, do Senado Federal, no Rio Grande do Sul cerca de 30% das mulheres que disseram não terem sido vítimas de violência doméstica efetivamente vivenciaram essa violência sem nome. Ser insultada, humilhada, ameaçada, empurrada, entre outras situações, não foi sentido como uma violência. Mas é.
Ainda estamos muito ligados ao conceito de violência física, aquela que deixa marcas visíveis. Quanto às marcas da alma, essas só percebemos depois de anos de um processo lento de desumanização e apagamento da mulher. Humilhações repetidas, isolamento da vítima, desqualificação, controle, são atos de violência.
Ontem, 25 de novembro, quando celebramos o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, instituído pela ONU para conscientizar sobre o problema da violência de gênero e a necessidade de combatê-la, tivemos a grande chance de dizer que aquela brincadeira, na verdade, machuca a alma e é um ato violento. Que a violência doméstica é mais ampla do que o soco no rosto ou o tapa na costela da mulher que já está desacreditada. Que o “pisar em ovos” porque o parceiro teve um dia ruim já pode ser violência.
A violência doméstica silenciosa, que passa tão despercebida e vem enraizada no machismo estrutural, é tão cruel quanto a violência física. Afinal, sempre há um agressor. E nos deparamos com essa criminalidade que ocorre nas entranhas do lar diariamente, e somos desafiados a lutar contra isso de maneira sistemática e permanente.